Terapia eletroconvulsiva

Terapia eletroconvulsiva

04 de março de 2022

Aplicações da terapia eletroconvulsiva

A terapia eletroconvulsiva (ECT) tem sido utilizada há anos para o tratamento de casos graves de depressão e psicose, com respaldo de evidências científicas que suportam sua segurança e eficácia, ao contrário do que muita gente pensa e do estigma que essa terapia tem.
Nos últimos 15 anos, novos tratamentos, como a estimulação do nervo vago, estimulação magnética transcraniana e administração intranasal de esquetamina, foram aprovados para o tratamento da depressão severa.
Apesar da realização de diversos estudos clínicos sobre esses novos tratamentos, nenhum deles foi considerado um equivalente a altura da ECT a ponto de poder substituí-la no tratamento dos casos severos de depressão.
Quando um paciente com quadro grave de depressão ou psicose não recebe o tratamento adequado, as taxas de suicídio e hospitalização são extremamente elevadas, além de uma pronunciada redução da produtividade e qualidade de vida. Diversos estudos comprovaram que a ECT consegue reduzir os riscos de suicídios e taxas de re-hospitalização e melhorar a qualidade de vida desses pacientes.
Em grupos específicos, a ECT consegue melhorar o quadro depressivo e psicótico rapidamente, além de diminuir os sintomas de catatonia e a ideação suicida.
O estigma e a falta de conhecimento restringiram o uso e a aceitação da ECT. Atualmente, a prática da ECT consiste na indução de uma anestesia geral breve (inferior a 10 min), acompanhada do uso de relaxantes musculares e monitoramento constante da saturação de oxigênio, pressão arterial, frequência e ritmo cardíaco.
O procedimento consiste na aplicação de uma descarga elétrica através de eletrodos no couro cabeludo do paciente, o que resulta em uma convulsão generalizada, com duração média de 20-60 segundos. A maioria dos pacientes fazem de 6 a 12 sessões, espaçadas por um período de 2 a 4 semanas.
Desde 2018 o FDA reduziu o critério de risco para a ECT. Antes a terapia era classificada como de alto risco, e hoje é considerada como um risco moderado que necessita de controle especial, e é indicada para o tratamento da depressão uni ou bipolar grave e episódios de catatonia em pacientes a partir dos 13 anos de idade, que sejam resistentes à terapia farmacológica ou que necessitem de uma resposta rápida devido à severidade da condição neuropsiquiátrica.
Infelizmente, o sensacionalismo em cima da terapia, a falta de conhecimento dos médicos e da população sobre as novas técnicas de ECT, medo dos efeitos adversos contribuem para a criação de barreiras e preconceitos em relação à prática. Há anos existem campanhas contrárias ao uso da ECT, e a Internet contribui para a disseminação de informações incorretas e sensacionalistas sobre o procedimento.
A ECT é uma ferramenta valiosa para o tratamento de doenças psiquiátricas graves, principalmente quando há a necessidade de uma resposta rápida ou quando outras opções terapêuticas já falharam. As técnicas atuais estão mais refinadas e conseguiram reduzir consideravelmente os efeitos colaterais.

Efeitos cognitivos

A preocupação sobre prejuízo cognitivo após a ECT preocupa pacientes, cuidadores, profissionais da saúde e a população em geral, e é um grande obstáculo para o uso desse procedimento. As práticas atuais de ECT resultam em poucos efeitos colaterais em comparação com as práticas passadas.
Os estudos têm procurado caracterizar o tipo, a extensão e o curso dos déficits cognitivos resultantes da ECT e identificar técnicas para prevenir ou mitigar esses efeitos.
Os principais efeitos cognitivos percebidos após a ECT são prejuízos na memória anterógrada e retrógada, desatenção, raciocínio lento e prejuízo das funções executivas. Esses prejuízos podem variar entre os pacientes e depende do tipo da técnica de ECT usada.
Mais efeitos colaterais são percebidos nos pacientes com eletrodos colocados bilateralmente, várias sessões de ECT e uma carga de estímulo mais alta. Enquanto que pacientes com eletrodos colocados unilateralmente, e preferencialmente do lado direito, que receberam pulsos curtos e o tratamento foi menos prolongado, apresentam menos efeitos colaterais relacionados ao processo cognitivo.
É impossível predizer como um paciente vai reagir a ECT, porém a maioria dos pacientes apresenta efeitos colaterais de leve a moderados, que são resolvidos semanas após a conclusão da ECT.
Análises neuropatológicas e exames de imagem não demonstraram que ocorra nenhum tipo de dano às estruturais cerebrais após o procedimento.

Efeitos neurobiológicos

O mecanismo de ação da ECT não é totalmente compreendido. Alguns estudos sugerem que a ECT promova mudanças na estrutural cerebral e influencie no metabolismo de monoaminas.
Estudos de imagem em pacientes com depressão mostraram que o volume da matéria cinzenta na área frontolímbica, principalmente no hipocampo e na amígdala, é maior após o tratamento com ECT. Além disso, a ECT aumenta a integridade da substância branca nos lobos frontal e temporal.
Outros estudos mostraram que a ECT consegue aumentar os níveis de monoaminas, normalizar a resposta do cortisol à dexametasona, além de promover um aumento na neurogênese na região do giro denteado do hipocampo.
Vários estudos em larga escala utilizando a abordagem das "omics" (genômica, proteômica, etc.) e estudos de neuroimagem estão em andamento buscando compreender melhor os efeitos neurobiológicas da ECT.
Referências: Espinoza, R.T., Kellner, M.D. Electroconvulsive therapy. N Engl J Med, 386, 667-672, 2022.

Marissa G. Schamne
Marissa G. Schamne
PhD | Cientista

Pesquisadora e professora universitária, farmacêutica por formação. Despertou o interesse pela pesquisa durante a faculdade na Iniciação Científica, que obviamente foi na área da neuropsicofarmacologia. Concluída a graduação, segue o caminho da carreira acadêmica e pesquisa até a co-fundação do Rigor Científico – onde encontrou uma maneira de expressar todo seu amor pela Ciência, e vislumbra a possibilidade de levar essas informações ao maior número possível de pessoas. Era uma pessoa tímida que conforme foi se inserindo no meio acadêmico encontrou uma forma de libertar-se dessa timidez, e agora matraqueia sem parar. Apaixonada pela natureza, esportes ao ar livre e a sensação de liberdade que isso traz. Gosta de viajar pelo mundo, seja através dos livros que lê ou das viagens que faz. Almeja alçar vôos mais altos divulgando ciência por aí.

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