Primeiros passos para o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV

Primeiros passos para o desenvolvimento de uma vacina contra o HIV

20 de janeiro de 2022

Que a pandemia da COVID-19 acelerou o desenvolvimento das vacinas nós estamos carecas de saber. Mas foi durante essa corrida por uma vacina contra o SARS-CoV-2, que os cientistas desenvolveram a mais nova técnica para os imunizantes: vacinas baseadas no RNA mensageiro (RNAm). O RNAm é uma molécula que indica para nosso organismo como produzir proteínas. E nós sempre falamos aqui, as proteínas são as bases do nosso organismo, somos proteínas gigantes que falam, pensam, sentem…

Como funciona uma vacina de RNAm?

Essas vacinas induzem o organismo humano a produzir determinadas proteínas do vírus ou de outro microrganismo, no caso do SARS-CoV-2, as vacinas de RNAm induzem o organismo a produzir a proteína S do vírus. É então que o sistema imune começa a trabalhar. Essas proteínas produzidas a partir da vacina são reconhecidas pelo sistema imune e desencadeiam a resposta imune. A resposta imune produz anticorpos e células que ajudam o organismo a se proteger quando em contato com o vírus/microrganismo real.
As duas primeiras vacinas aprovadas nos Estados Unidos pelo FDA contra a COVID-19, a vacina da Pfizer-BioNTech e da Moderna, têm se mostrado extremamente bem sucedidas e ajudaram os cientistas a compreenderem melhor essa tecnologia.

Vacinas de RNAm

Pesquisadores estudam essa tecnologia de produção de vacinas de RNAm há décadas para uma variedade de outras doenças. O foco agora está na investigação se essa tecnologia também pode ser utilizada no desenvolvimento de vacinas contra outros tipos de vírus. Em dezembro de 2021 foi publicado um estudo na revista Nature Medicine sobre uma vacina de RNAm contra o vírus HIV, testada em animais. O estudo foi conduzido por pesquisadores do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), sob a coordenação do Dr. Paolo Lusso.
A vacina desenvolvida neste estudo foi administrada pela via intramuscular, e então fornecia instruções ao organismo para a produção de duas proteínas-chaves para o HIV - Env e Gag. As células musculares passam então a produzir essas duas proteínas em partículas semelhantes ao vírus, que são então replicadas em várias cópias. Essas partículas vírus semelhantes produzidas pelas células musculares não causam infecção ou doença, porque elas são desprovidas do código genético completo do HIV, porém, ainda assim conseguem induzir uma resposta imune similar a infecção natural pelo HIV.
Inicialmente os testes foram conduzidos em camundongos. Os cientistas concluíram que após duas doses da vacina, os animais já produziam anticorpos suficientes para neutralizar o HIV. Posteriormente, os testes passaram a ser feitos em macacos-rhesus que também receberam duas doses da vacina.
Os macacos foram expostos semanalmente ao simian-human HIV (SHIV), uma forma do vírus utilizada para reproduzir um modelo animal de infecção pelo HIV em macacos. Após 13 semanas de inoculação do vírus, dois dos setes macacos permaneceram não-infectados. Os outros cinco animais apresentaram um atraso no desenvolvimento da infecção (~8 semanas após a inoculação do vírus). Já os animais não imunizados desenvolveram a infecção em apenas 3 semanas. De maneira geral, os macacos vacinados tiveram um risco 79% menor de infecção pelo SHIV em comparação aos macacos não vacinados.
Os pesquisadores reportaram que os animais apresentaram apenas efeitos colaterais brandos. Esses resultados evidenciam que essa estratégia de vacina a partir do RNAm contra o HIV é segura e capaz de estimular uma resposta imune contra o SHIV.
O diretor do NIAID e co-autor desse estudo comenta que “Apesar de quase quatro décadas de esforços da comunidade global na pesquisa de uma vacina eficaz para prevenir o HIV, ela ainda continua sendo uma meta ilusória”. E ainda “Esta vacina experimental de mRNA combina vários recursos que podem superar as deficiências de outras vacinas experimentais contra o HIV e, portanto, representa uma abordagem promissora”.
Cabe ressaltar aqui que esses dados são de um estudo pré-clínico, mas que foi revisado por pares e publicado numa revista de excelente qualidade e confiança. A meta dessa equipe de pesquisadores agora é partir para um estudo de fase 1, em que a vacina de RNAm contra o HIV será administrada em voluntários adultos saudáveis, para investigar a resposta imune produzida. Todo o refinamento da pesquisa e cuidados éticos foram e serão tomados pela equipe da pesquisa.
REFERÊNCIAS - Zhang P., Narayanan E., Liu Q., et al. A multiclade env-gag VLP mRNA vaccine elicits tier-2 HIV-1-neutralizing antibodies and reduces the risk of heterologous SHIV infection in macaques. Nat Med., 2021 Dec;27(12)2234-2245.  doi: 10.1038/s41591-021-01574-5  

Marissa G. Schamne
Marissa G. Schamne
PhD | Cientista

Pesquisadora e professora universitária, farmacêutica por formação. Despertou o interesse pela pesquisa durante a faculdade na Iniciação Científica, que obviamente foi na área da neuropsicofarmacologia. Concluída a graduação, segue o caminho da carreira acadêmica e pesquisa até a co-fundação do Rigor Científico – onde encontrou uma maneira de expressar todo seu amor pela Ciência, e vislumbra a possibilidade de levar essas informações ao maior número possível de pessoas. Era uma pessoa tímida que conforme foi se inserindo no meio acadêmico encontrou uma forma de libertar-se dessa timidez, e agora matraqueia sem parar. Apaixonada pela natureza, esportes ao ar livre e a sensação de liberdade que isso traz. Gosta de viajar pelo mundo, seja através dos livros que lê ou das viagens que faz. Almeja alçar vôos mais altos divulgando ciência por aí.

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