Fumar maconha acelera o envelhecimento

Fumar maconha acelera o envelhecimento

25 de março de 2022

Cannabis sativa

Que a exposição ao cigarro e à poluição provoca o envelhecimento precoce não é novidade, inclusive, cientistas já demostraram qual o gene específico relacionado a isso - o AHRR. Agora a novidade está em um estudo publicado recentemente pela revista Drug and Alcohol Dependence, que descreveu que fumar maconha pode, assim como o cigarro e a poluição, acelerar o envelhecimento natural do corpo, através de uma manipulação epigenética (sim! Isso existe!).
Antes de darmos continuidade ao assunto, vamos esclarecer duas situações: (1) nos últimos 15 anos, os debates sobre a legalização da posse e uso da maconha (Cannabis sativa) cresceram exponencialmente; e paralelo a isso, inúmeros estudos foram e estão sendo desenvolvidos com o objetivo de compreender os efeitos das substâncias presentes na maconha no organismo humano. Por isso você ouve e lê tanta coisa sobre isso. (2) O ambiente em que vivemos influencia não somente nossas experiências e comportamento, mas também algumas funções biológicas do nosso organismo. A velocidade com que envelhecemos não depende somente do tempo, os fatores ambientais também podem influenciar, e muito. Essas influências ambientais contribuem para alterações epigenéticas - mecanismos bioquímicos que alteram o funcionamento/características das células e até alguns traços de hereditariedade, sem afetar diretamente o genoma humano, nosso DNA.
Dito isso, os cientistas vêm trabalhando no desenvolvimento de algoritmos epigenéticos para rastrear o processo de envelhecimento. Com os avanços tecnológicos dos últimos anos, já é possível avaliar marcadores de metilação do DNA (um tipo de alteração epigenética) relacionados com o envelhecimento. O desenvolvimento de algoritmos epigenéticos buscando medir a "idade epigenética" baseia-se nas análises de padrões de metilação do DNA no epigenoma. Essas análises já tornaram possível a correlação da idade cronológica e possíveis complicações de saúde futuras, inclusive sendo possível sugerir se o indivíduo está envelhecendo mais rápido ou mais lentamente.
Existem diversas limitações a respeito do algoritmo epigenético do envelhecimento, sendo a principal o fato de que muitas vezes essas alterações epigenéticas são desencadeadas por eventos biológicos que se desenvolvem naturalmente, e não consequência de fatores comportamentais ou ambientais. Por isso os cientistas desenvolver "relógios epigenéticos", que foram projetados para correlacionar níveis reais de deterioração fisiológica e também ser sensível aos fatores ambientais.
Um desses relógios, o "DNAmGrimAge", foi projetado para capturar aspectos do envelhecimento epigenético que estão fortemente relacionados à deterioração fisiológica, e portanto, tem sido correlacionado a uma vasta gama de indicadores de saúde.
Outro relógio, o "DunedinPoAM" (Dunedin Pace of Aging Methylation), foi desenhado para medir a velocidade com que o envelhecimento acontece através de alterações no epigenoma, que são preditivas para alterações em marcadores de saúde em adultos de meia idade.
Ambos os relógios epigenéticos mencionados acima conseguem prever fortemente resultados de saúde em amostras diferentes, e até mesmo são capazes de demonstrar sensibilidade aos efeitos de intervenções comportamentais projetadas para retardar o processo de envelhecimento.

Cannabis e envelhecimento

Diversas razões permitem hipotetizar a relação do uso da marijuana com o envelhecimento epigenético acelerado, além do uso da maconha já ter sido associado a uma gama de alterações no epigenoma.
Mas qual seria esse mecanismo atribuído à maconha? Considerando que a maioria dos efeitos deletérios da maconha estejam relacionados à função pulmonar, é razoável considerar que os efeitos prejudiciais surjam após a inalação da fumaça da substância. A fumaça da marijuana é geralmente inalada profundamente e contém níveis elevados de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos pró-carcinogênicos (ex.: benzopireno e benzantraceno).
Um sítio epigenético (cg05575921) do gene AHRR (aryl hydrocarbon receptor repressor) tem sido explorado como um potencial marcador de alterações epigenéticas relacionadas com o uso da maconha. A hipometilação desse sítio do gene AHRR está associada ao hábito tabágico. Portanto, os cientistas concordam que esse sítio epigenético representa uma excelente ferramenta para o teste da associação entre o uso da maconha e alterações epigenéticas relacionadas ao envelhecimento.
Para responder essa questão, pesquisadores de duas universidades norte-americanas realizaram um estudo prospectivo durante 17 anos para avaliar a relação entre o uso médio de maconha por indivíduos entre 13-29 anos e as alterações do epigenoma relacionadas ao envelhecimento. O epigenoma de 154 pessoas foi analisado. Os participantes escolhidos aos 13 anos precisavam relatar o nível anual de consumo de maconha por um período de 17 anos.
Os resultados da pesquisa evidenciaram que aqueles participantes que fazem uso frequente da maconha, quando atingem 30 anos, possuem mais alterações epigenéticas ligadas ao envelhecimento, com evidências sugerindo que isso deva-se principalmente à inalação de hidrocarbonetos aromáticos. Além disso, o estudo mostrou que esse nível de alteração é dose-dependente, ou seja, quanto maior a utilização de maconha pelos indivíduos, maior será a aceleração epigenética da idade.
Os pesquisadores acreditam que essas modificações epigenéticas relativas ao envelhecimento precoce sejam causadas pelo ato em si de fumar, e não pela ingestão do tetra-hidrocarbinol (THC) ou qualquer outro componente ativo da erva. Embora consistentes, esses dados não podem estabelecer um papel causal do uso da maconha no envelhecimento epigenético. Outras pesquisas são necessárias para explorar os mecanismos dessa associação.
Referências: 1. Allen, J.P., Danoff, J.S., Costello, M.A., et al. Lifetime marijuana use and epigenetic age acceleration: A 17-year prospective examination. Drug and Alcohol Dependence, v. 233, 2022. 2. Belski, D.W., Caspi, A., Arseneault, L., et al. Quantification of the pace of biological aging in human through a blood test, the DunedinPoAm DNA methylation algorithm. Elife 9, 2020. 3. Markunas, C.A., Hancock, D.B., Xu, Z., et al. Epigenome-wide analysis uncovers a blod-based DNA methylation biomarker of lifetime cannabis use. Am. J. Genet. B Neuropsychiatr. Genet., 2020. 4. Lu, A.T., Quach, A., Wilson, J.G., et al. DNA methylation GrimAge strongly predicts lifespan and healthspan. Aging, v. 11, 2019. 5. Caulkins, J.P., Kilmer, B., Kleiman, M.A. Marijuana legalization: What everyone needs to know. Oxford University Press. 

Marissa G. Schamne
Marissa G. Schamne
PhD | Cientista

Pesquisadora e professora universitária, farmacêutica por formação. Despertou o interesse pela pesquisa durante a faculdade na Iniciação Científica, que obviamente foi na área da neuropsicofarmacologia. Concluída a graduação, segue o caminho da carreira acadêmica e pesquisa até a co-fundação do Rigor Científico – onde encontrou uma maneira de expressar todo seu amor pela Ciência, e vislumbra a possibilidade de levar essas informações ao maior número possível de pessoas. Era uma pessoa tímida que conforme foi se inserindo no meio acadêmico encontrou uma forma de libertar-se dessa timidez, e agora matraqueia sem parar. Apaixonada pela natureza, esportes ao ar livre e a sensação de liberdade que isso traz. Gosta de viajar pelo mundo, seja através dos livros que lê ou das viagens que faz. Almeja alçar vôos mais altos divulgando ciência por aí.

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