É possível curar o diabetes?

É possível curar o diabetes?

20 de julho de 2021

Para o neurologista, o conhecimento sobre doenças crônicas em geral ajuda bastante a compreender o paciente como um todo e auxiliá-lo nos problemas mais específicos. Por questões pessoais e profissionais, há cerca de dois anos esbarrei na Medicina do Estilo de Vida (MEV) e desde então mergulhei nesse universo. Isso mudou completamente a forma de perceber minha profissão, meus pacientes e também minha vida pessoal. Mas isso é assunto para outro dia...
Hoje gostaria de compartilhar com vocês o posicionamento do Colégio Americano de Medicina do Estilo de Vida sobre a remissão do diabetes mellitus do tipo 2 (DM2) e espero que ajude a mostrar como a MEV tem um olhar diferente sobre as doenças crônicas não transmissíveis.

Diabetes Mellitus tipo 2

Em 1980, a prevalência mundial do DM2 era de 108 milhões, em 2014 passou para 422 milhões e a expectativa da Federação Internacional do Diabetes é que suba para 642 milhões em 2040. Porém, no meio do caminho tinha uma pandemia (ou sindemia) e agora este número deve ser muito maior, entre outras coisas, devido ao ganho de peso, o isolamento social e a redução dos exercícios.
As principais causas do DM2 são o excesso de peso e a resistência à insulina, que mesmo produzida normalmente “não funciona” de forma adequada e produz os níveis elevados de glicose no sangue. Uma condição leva a outra e ambas são causadas pelo consumo excessivo de calorias.
Durante a evolução da espécie humana, o alimento nem sempre esteve disponível, com isso, desenvolvemos um metabolismo para preservar calorias, mesmo quando o excesso é prejudicial à saúde. Na verdade, a “disfunção” que causa o diabetes não passa de uma resposta normal do nosso organismo ao estado tóxico produzido pelo excesso de calorias.
Essa energia/caloria que sobra é armazenada principalmente na forma de gordura, formando o tecido adiposo que ocupa espaços indesejáveis no nosso corpo. Mas também é armazenado dentro de alguns órgãos como fígado, pâncreas e músculos. Esse excesso de gordura no músculo pode gerar fraqueza e dor muscular. O exercício físico ajuda a queimar essa gordura e melhorar o desempenho muscular.

Tratamento do diabetes

O tratamento usual do DM2 utiliza diversos medicamentos com o objetivo de estimular ou inibir vias metabólicas específicas e com isso reduzir os níveis de açúcar no sangue. No entanto, esta estratégia apenas impede a progressão da doença e pouco interfere com o problema principal: o consumo excessivo de calorias!
Recentemente, muitas organizações como o Colégio Americano de Endocrinologistas e a Federação Internacional do Diabetes têm reconhecido o papel do estilo de vida, incluindo o padrão alimentar, no desenvolvimento do DM2. No ano passado o Colégio Americano de Medicina do Estilo de Vida (ACLM) publicou em sua revista um posicionamento a respeito disso: “Modificações de estilo de vida suficientemente intensas são capazes de produzir melhorias clínicas significativas em pacientes com DM2 e o tratamento ideal para provocar a remissão (definido abaixo) inclui um padrão alimentar predominantemente vegetariano e integral (whole food plant-based diet - WFPB), juntamente com exercícios moderados.” (tradução livre)

Remissão da doença

A definição de remissão completa adotado pelo ACLM é descrita como níveis glicêmicos abaixo da faixa diabética (<100mg/dL) na ausência de terapia farmacológica ativa (medicamentos) ou cirúrgica (bariátrica) com pelo menos um ano de duração. O padrão alimentar sugerido enfatiza o consumo de frutas, verduras, legumes, grãos integrais e inclui nozes e sementes, enquanto elimina ou minimiza os alimentos de origem animal como carnes vermelhas e brancas, ovos e laticínios, bem como alimentos refinados que incluem açúcares e óleos adicionados. Em relação aos exercícios são sugeridos 150 minutos de atividade física moderada por semana.
O importante é reduzir a quantidade total de calorias da dieta, o que só pode ser conseguido de duas formas: reduzindo o volume da alimentação, se você quiser manter o padrão da sua dieta, ou mantendo o volume, mas, utilizando um padrão alimentar rico em fibras com predomínio de alimentos integrais e de origem vegetal. Dessa forma você reduz a densidade calórica e mantém a saciedade, além de agregar benefícios adicionais à sua saúde com os antioxidantes e fitonutrientes. Apenas reduzir o consumo de alimentos de alto índice glicêmicos (açúcar e doces em geral) ou adotar dietas baixas em carboidratos (low carb) não têm benefícios no longo prazo.
Sabemos o quanto é difícil mudar hábitos, mas a boa notícia é que mesmo pequenas mudanças já demonstram benefícios. Porém, da mesma forma que o tratamento com remédios, a dose é muito importante. Um analgésico, por exemplo, pode não aliviar a dor de cabeça se for tomado em uma dose baixa. O mesmo é válido para intervenções no estilo de vida! A intensidade da restrição calórica e a quantidade de exercícios fazem toda a diferença quando estamos falando em remissão do DM2.
Também é importante levar em consideração o tempo de evolução da doença, os melhores resultados ocorrem nos pacientes com menos de oito anos de diagnóstico. Depois desse período ocorrem mudanças mais profundas no organismo que dificultam a remissão completa.
A remissão parcial ou completa deveria ser o objetivo principal do tratamento de todo paciente com DM2 e as intervenções em estilo de vida a terapia padrão. Mesmo assim as terapias medicamentosas não serão abandonadas, devem ser utilizadas em associação, principalmente nas fases iniciais, enquanto as modalidades não medicamentosas são otimizadas.
Referência: Kelly J, Karlsen M, Steinke G. Type 2 Diabetes Remission and Lifestyle Medicine: A Position Statement from the American College of Lifestyle Medicine. Am J Lifestyle Med. 2020 Jun 8;14(4):406-419.

Marcelo Rezende Young Blood
Marcelo Rezende Young Blood

Médico pela Universidade Federal do Paraná (2004), residência médica em Neurologia pelo Hospital de Clínicas/UFPR (2009), mestrado em Ciências Biomédicas pela UEPG (2016). MBA em Gestão de Saúde pela ISAE/FGV (2019).
Atualmente é chefe do Serviço de Neurologia do HU/UEPG e coordena o Serviço Multiprofissional de Dor Crônica do mesmo hospital. Sócio da Clínica ATMUS, um coworking de saúde multiprofissional que apoia a Medicina do Estilo de Vida como uma nova forma de pensar a saúde.
Adora a pesquisa, mas optou pela assistência de pacientes com síndromes dolorosas crônicas, em especial a fibromialgia. Acredita que a Medicina do Estilo de Vida é o formato ideal para prevenir e tratar as doenças crônicas em geral, incluindo a dor.

Comentários

Nenhum comentário encontrado