ButanVac - a vacina do Butantan

ButanVac - a vacina do Butantan

01 de abril de 2021

Nova vacina contra a COVID-19

No dia 26 de março o Instituto Butantan anunciou a ButanVac, nova vacina que pretende produzir contra a COVID-19, que usa uma tecnologia segura, barata e bastante comum na produção de vacinas no mundo todo: o uso de ovos embrionados de galinhas para a inoculação do vírus. Essa técnica já é frequentemente utilizada pelo Instituto na produção das vacinas contra a gripe. A cada ano, todas as fábricas do Butantan produzem aproximadamente 80 milhões de doses dessa vacina, que são encaminhadas ao Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde.
Estudos pré-clínicos (ou seja, estudos em animais) com a ButanVac mostraram que a vacina é bastante imunogênica (capaz de gerar resposta imunológica). Até o momento, essa vacina é a primeira a ser produzida usando essa tecnologia. O Presidente do Instituto Butantan comentou que por ser uma técnica bastante tradicional e utilizada por muitas fábricas no mundo todo, poderia figurar como uma saída da situação pandêmica que vivemos, visto que a capacidade de produção do Instituto é de 140 milhões de dose por ano. 
Os pesquisadores do Instituto Butantan acreditam que em 2 meses já poderão vislumbrar resultados sobre a vacina, pois não se trata de uma técnica inovadora, e ainda, existe a possibilidade de comparação com as demais vacinas que já estão em uso. O início dos ensaios clínicos depende da aprovação da ANVISA, que já foi solicitada no dia 26/03/2021. 

No cenário mais otimista, a equipe do Butantan acredita que já em maio poderá iniciar a produção da vacina, pois as fábricas já terão finalizado a produção de vacinas contra a gripe. Nesse cenário, os pesquisadores acreditam que até o final de 2021 o Brasil poderá contar com mais de 40 milhões de doses da vacina ButanVac (dados apontados pelo Instituto Butantan em 29/03/2021).
O desenvolvimento da ButanVac começou em março de 2020. Essa vacina apresenta a vantagem de que o seu desenvolvimento já conta com várias respostas graças aos estudos anteriores com a Coronavac.
Para o desenvolvimento dessa vacina, o Instituto Butantan participou de um consórcio internacional que engloba membros do Brasil, Vietnã (Instituto de Vacinas e Biologia Médica) e Tailândia (Organização Farmacêutica Governamental).

A tecnologia da ButanVac

A ButanVac é uma vacina de vetor viral, ou seja, um vírus (o vetor) carrega a sequência genética que codifica alguma estrutura do vírus alvo. Nesse caso, o vírus causador da doença de Newcastle em aves é o vetor viral que carrega a sequência genética que codifica a proteína Spike (S) do SARS-CoV-2. Essa estratégia de vetor viral é a mesma da Covishield (Oxford, AstraZeneca, Fiocruz), da Ad26.COV2.S (Jansen) e da Sputnik V (Instituto Gamaleya). 
Nessas três citadas o vetor viral é um adenovírus, na ButanVac trata-se do vírus causador da doença de Newcastle (NDV). Esse vírus, assim como o SARS-CoV-2, possui um grande genoma composto por RNA. Esse genoma grande é um facilitador no processo de produção de quimeras (o vetor viral). Outra vantagem do NDV, é que ele não é capaz de infectar células humanas, o que traz mais segurança ao processo.

Através da manipulação dos genomas do NDV e do SARS-COV-2 foi possível obter um vírus quimérico que carrega o gene que codifica a proteína Spike do SARS-CoV-2.
A ButanVac foi desenvolvida com o objetivo de ser mais estável e mais imunogênica, através das manipulações genéticas realizadas no vírus NDV.
O processo se resume no seguinte: o NDV é manipulado para expressar a proteína da espícula do SARS-CoV-2 (a tal da proteína Spike) - forma-se o vetor viral. O NDV modificado é então injetado em ovos embrionados de galinha (com os embriões ainda vivos) - esse processo é automatizado (uma agulha fura o topo do ovo e insere o vírus). Os ovos vão para uma fase de incubação, período em que ocorre a replicação viral dentro do ovo. Depois disso, os ovos são levados para uma câmara fria, o embrião morre, e o vírus que será usado na produção da vacina é liberado no líquido alantóico (fica ao redor do embrião). Esse líquido é então removido do ovo, filtrado e purificado, visando retirar todos os componentes indesejados do processo. O vírus é então inativado, para que não seja mais capaz de se replicar.
Mais algumas etapas de purificação, esterilização e adição de substâncias são necessárias até a formulação final da vacina. E então está pronta a ButanVac.

Vantagens da ButanVac

  • O Instituto Butantan domina a produção de vacinas a partir da inoculação e replicação de vírus em ovos. Essa estratégia permite a produção de vacinas baratas e em larga escala.
  • O uso do NDV para a produção de produtos na área acontece há muito tempo e com segurança. Ele também é usado há mais de 10 anos em oncologia, por ser seletivo e destruir apenas as células cancerosas, e jamais causou doenças em humanos.
  • Os estudos pré-clínicos mostraram resultados promissores quanto à produção de anticorpos e proteção contra a infecção pelo SARS-CoV-2.
  • Um dos grandes colaboradores do Instituto Butantan nessa empreitada é o Icahn School of Medicine do Mount Sinai - NY, que traz mais segurança e confiança ao processo.

Detalhes que merecem atenção

No anúncio da ButanVac foi comentado que a vacina poderá estar disponível para os brasileiros ainda no final desse ano, o que não é bem assim. Pesquisadores brasileiros estimam que se todas as fases da pesquisa tiverem o êxito esperado, a vacinação em massa de brasileiros com a ButanVac aconteça somente em 2022.
Os envolvidos na anúncio da vacina também comentaram que tratava-se de uma tecnologia nacional, sem a necessidade de importações, porém, o processo de elaboração de quimeras é patenteado pelo laboratório do Mount Sinai. Essa parceria com a Escola de Medicina de Mount Sinai também garantiu o comprometimento dos cientistas de lá a colaborarem na construção de quimeras contra as variantes de atenção do SARS-CoV-2 (já viu nosso texto sobre elas?), principalmente a P1.
Apesar desses detalhes, o importante é que a pesquisa por vacinas seguras, eficazes e baratas continua, o que representa uma possível esperança de vacinação em massa da população muita mais rápida. O fato do país possuir autonomia na produção de uma vacina contra a COVID-19 também representa um grande passo no combate à pandemia.

Marissa G. Schamne
Marissa G. Schamne
PhD | Cientista

Pesquisadora e professora universitária, farmacêutica por formação. Despertou o interesse pela pesquisa durante a faculdade na Iniciação Científica, que obviamente foi na área da neuropsicofarmacologia. Concluída a graduação, segue o caminho da carreira acadêmica e pesquisa até a co-fundação do Rigor Científico – onde encontrou uma maneira de expressar todo seu amor pela Ciência, e vislumbra a possibilidade de levar essas informações ao maior número possível de pessoas. Era uma pessoa tímida que conforme foi se inserindo no meio acadêmico encontrou uma forma de libertar-se dessa timidez, e agora matraqueia sem parar. Apaixonada pela natureza, esportes ao ar livre e a sensação de liberdade que isso traz. Gosta de viajar pelo mundo, seja através dos livros que lê ou das viagens que faz. Almeja alçar vôos mais altos divulgando ciência por aí.

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