Banho gelado - tô fora!!! Será mesmo?

Banho gelado - tô fora!!! Será mesmo?

21 de fevereiro de 2022

Imunidade

Cuidar da saúde nos dias de hoje é tema recorrente em qualquer notícia, estudo, roda de conversa, principalmente quando o assunto é a imunidade. A manutenção da imunidade pelo nosso organismo requer uma série de fontes metabólicas para garantir que o sistema imune esteja sempre vigilante e capaz de gerar milhões de células imunes diariamente.
A História da Teoria da Vida propõe que o organismo humano priorize recursos metabólicos entre diversos sistemas biológicos, dependendo do ambiente e estado em que ele se encontra. Por exemplo, em ambientes hostis, os recursos são deslocados dos programas de crescimento e reprodução para programa de manutenção. Além da imunidade, essas priorizações incluem adaptações à escassez de energia e também adaptações às mudanças na temperatura ambiente.
Em relação à temperatura ambiente, a exposição ao frio provoca uma alteração fisiológica de alto custo e alto ganho, visando reduzir a perda de calor (por exemplo, por vasoconstrição) e aumentando a produção de calor, principalmente pela ativação do tecido adiposo. A temperatura ambiente desencadeia mudanças nas respostas biológicas. O frio é percebido pelo sistema somatosensorial e quando nós temos a percepção do frio, nosso organismo já está produzindo respostas fisiológicas adaptativas.
O sistema nervoso periférico (SNP) engloba neurônios sensoriais com a capacidade de detectar variações na temperatura ambiente, e então essa informação é levada ao sistema nervoso central (SNC) através da conversão desses sinais térmicos para sinais elétricos, que provocam a estimulação de neurônios. É graças a ativação do SNP que nosso organismo aciona respostas comportamentais e fisiológicas que facilitam a adaptação e tolerância ao frio. Um exemplo clássico de como nosso corpo imediatamente se adapta ao frio são os calafrios, que induzem a termogênese pelos músculos esqueléticos. Nós também conseguimos nos adaptar ao frio e sermos mais tolerantes a ele - como se fosse uma "aclimatação".

E o banho gelado entra onde nisso?

Muito se fala sobre os benefícios do banho gelado, especialmente se feito pela manhã. Se você é daqueles que pensa que tomar banho frio pela manhã é uma maneira bem desagradável de começar o dia, continue a leitura.
No início do século XIX, banhos frios já eram recomendados por médicos para "esfriar o cérebro quente e inflamado e incutir medo para domar as vontades impetuosas" em hospitais psiquiátricos e presídios. Mais tarde nesse mesmo século, os vitorianos perceberam que o chuveiro seria muito útil para lavar as pessoas (e melhor ainda se fosse com água quente). Foi a partir disso que os chuveiros passaram de dispositivos de tortura para algo agradável - o banho quente. Mas, a prática do banho frio visando melhorar a saúde está em alta. Empresários de sucesso, pesquisadores, médicos, blogueiras, todos comentando que tem o hábito de tomar banhos gelados.
Diversos estudos já foram realizados na tentativa de compreender fisiologicamente os benefícios do banho gelado. Mais de 3 mil pessoas participaram de um estudo holandês, e foram divididas em grupos com tempos variáveis de banho frio (30, 60 e 90 segundos de água fria após o banho quente).
Após um período de acompanhamento, foi constatado que que os grupos que tomaram a chuveirada gelada apresentaram uma redução de quase 30% nas licenças médicas, independente o tempo e água fria. Nesse estudo, a razão pela qual a água fria impediu as pessoas de ficarem doentes não foi esclarecida, mas os pesquisadores acreditavam que poderia ter relação com o fortalecimento do sistema imunológico.
No estudo de Spiljar, publicado em novembro de 2021 na revista Cell Metabolism, a relação da exposição ao frio e a melhora na imunidade foi comprovada. Nesse estudo os pesquisadores demonstraram que a exposição ao frio consegue modular o fenótipo imunológico e metabólico de monócitos; promove um trade-off energético entre as adaptações metabólicas e a autoimunidade; reduz a atividade do complexo de histocompatibilidade classe II nos monócitos (reduzindo a apresentação de antígeno) e melhora a neuroinflamação; além de diminuir a patogenicidade de células T autorreativas através da modulação dos monócitos.
Através desses resultados os cientistas propuseram que a exposição frio promove uma reorganização imunológica que protege, inclusive da autoimunidade. Esses dados são de grande relevância no que concerne à neuroinflamação presente em diversas doenças do SNC, e pode levar ao desenvolvimento de estratégias preventivas e terapêuticas para inúmeras doenças autoimune, inclusive a esclerose múltipla. Sensacional, né?
Você também já deve ter visto vários atletas entrando numa banheira de água e gelo após uma prova ou exercício intenso. Isso acontece porque a imersão em água fria após o exercício melhora o fluxo sanguíneo para os músculos, faciilitando a recuperação muscular.
Estudos sugerem que a água fria ativa o sistema nervoso simpático (aquele da luta e fuga), e portanto, aumenta os níveis de noradrenalina, o que provoca um aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial (efeitos observados quando as pessoas são imersas em água fria) - e está relacionado às melhorias sugeridas para a saúde.
A imersão em água fria também demonstrou melhorar a circulação sanguínea, pois quando expostos à água fria, ocorre uma diminuição do fluxo sanguíneo para a pele. Quando acaba a exposição à água fria, o corpo precisa se aquecer, então ocorre o aumento do fluxo sanguíneo para a pele - os cientistas acreditam que isso contribua para melhorar a circulação.
Outro ponto positivo para o banho frio é que ele pode acelera o metabolismo. Um estudo mostrou que a imersão em água fria (14ºC) aumenta o metabolismo em 350% - pode auxiliar até na perda de peso*, a longo prazo.
Banho gelado também pode aliviar os sintomas da depressão. Como nossa pele possui diversos receptores de frio, a estimulação excessiva durante o banho frio, envia uma enorme quantidade de impulsos elétricos dessas terminações nervosas para o cérebro, aumentando estado de alerta, clareza e níveis de energia, podendo resultar num efeito antidepressivo. Importante citar que alguns estudos sugerem que ocorra a liberação de endorfinas após o banho gelado também.
Quem busca mais concentração e foco também pode se beneficiar do banho gelado, pois acredita-se que a melhora da circulação sanguínea na cabeça e para o SNC contribua para mais foco e atenção.

Importante destacar que o banho gelado NÃO substitui nenhuma terapia/tratamento. Ele pode ser um aliado para melhorar seu rendimento, começar o dia mais focado e todos os demais benefícios listados acima. Use em seu proveito.
Dito isso tudo, convenci você a experimentar o banho gelado pela manhã?
PS1: Se não quiser começar logo pela manhã (é difícil, eu sei), pode ser em qualquer horário. Segundo o neurocientista Andrew Huberman, melhor em qualquer horário, do que não fazer.
PS2: Além dos benefícios para a saúde, o bolso e o ambiente agradecem! Economia de energia e/ou gás.
*Não adianta começar a tomar banho frio e não mudar os hábitos - prática de exercícios físicos regulares e dieta equilibrada são fundamentais.
Referências: 1. Spiljar, M., Steinbach, K., Rigo, D., et al. Cold exposure protects from neuroinflammation through immunologic reprogramming. Cell Metabolism, 33, 2231-2246, 2021. 2. Buijze, GA, Sierevelt, IN, van der Heijden, BCJM, et al. The effect of cold showering on health and work: a randomized controlled trial. Plos One, 11, 2016. 3. Roberts, LA, Nosaka, K., Coombes, JS, Peake, JM. Cold water immersion enhances recovery of submaximal muscle function after resistance exercise. Am. J. Regul. Integr. Comp. Physiol., 15, 998-1008, 2014. 4. Mooventhan, A., Nivethitha, L. Scientific evidence-based effects of hydrotherapy on various systems of the body. N. Am. J. Med. Sci., 6, 199-209, 2014. 5. Brophy-Williams, N., Lander, G., Wallman, K. Effect of immediate and delayed cold water immersion after a high intensity exercise session on subsequente run performance. J. Sports Sci. Med., 10, 665-670, 2011. 6. Cypess, AM, Lehman, S., Gethin Williams, MB., et al. Identification and importance of brown adipose tissue in adult humans. N. Engl. J. Med., 360, 1509-1517, 2009. 7. Shevchuk, NA. Adapted cold shower as a potential treatment for depression. Medical Hypotheses, 70, 995-1001, 2008. 8. Shevchuk, NA, Radoja, S. Possible stimulation of anti-tumor immunity using repeated cold stress: a hypothesis. Infect. Agent. Cancer, 2, 2007.

Marissa G. Schamne
Marissa G. Schamne
PhD | Cientista

Pesquisadora e professora universitária, farmacêutica por formação. Despertou o interesse pela pesquisa durante a faculdade na Iniciação Científica, que obviamente foi na área da neuropsicofarmacologia. Concluída a graduação, segue o caminho da carreira acadêmica e pesquisa até a co-fundação do Rigor Científico – onde encontrou uma maneira de expressar todo seu amor pela Ciência, e vislumbra a possibilidade de levar essas informações ao maior número possível de pessoas. Era uma pessoa tímida que conforme foi se inserindo no meio acadêmico encontrou uma forma de libertar-se dessa timidez, e agora matraqueia sem parar. Apaixonada pela natureza, esportes ao ar livre e a sensação de liberdade que isso traz. Gosta de viajar pelo mundo, seja através dos livros que lê ou das viagens que faz. Almeja alçar vôos mais altos divulgando ciência por aí.

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