Água para fins farmacêuticos: seria da torneira?

Água para fins farmacêuticos: seria da torneira?

31 de janeiro de 2022

O que é água para uso farmacêutico?

Água para uso farmacêutico abrange os diversos tipos de água empregados na síntese de fármacos; na formulação e produção de medicamentos; em laboratórios de ensaios; diagnósticos e demais aplicações, relacionadas à área da saúde, inclusive como principal componente na limpeza de utensílios, equipamentos e sistemas. Os processos de purificação, armazenamento e distribuição devem garantir que as especificações farmacopeicas sejam atendidas, mantidas e controladas adequadamente.
Os requisitos de qualidade da água dependerão de sua finalidade e emprego, e a escolha do sistema de purificação destina atender ao grau de pureza estabelecido. O usuário é responsável pela seleção do tipo de água adequado aos seus objetivos, bem como pelos controles e verificações necessários, em intervalos que garantam a manutenção da qualidade desejada. Ele deve assegurar que o sistema apresente desempenho adequado e capacidade para fornecer água com o nível de qualidade estabelecido para atender aos parâmetros especificados nas monografias individuais. O controle da contaminação da água é crucial, uma vez que a água tem grande capacidade de agregar compostos e, também, de se contaminar novamente após a purificação. Os contaminantes da água são representados por dois grandes grupos: químico e microbiológico.

Contaminantes químicos

Os contaminantes orgânicos e inorgânicos têm origens diversas da fonte de alimentação; da extração de materiais com os quais a água entra em contato; da absorção de gases da atmosfera; de resíduos poluentes, ou resíduos de produtos utilizados na limpeza e sanitização de equipamentos, dentre muitos outros. Incluem-se aqui as endotoxinas bacterianas, resultantes de micro-organismos aquáticos Gram negativos, contaminantes críticos que devem ser removidos adequadamente. Esses contaminantes podem ser avaliados, principalmente, pelos ensaios de carbono orgânico total – COT e de condutividade. A condutividade, medida em microsiemens/cm, é recomendada para avaliar água com grande quantidade de íons e o seu recíproco, a resistividade, em megohm.cm, é medida quando há baixa concentração de íons dissolvidos.
A maioria dos compostos orgânicos pode ser removida por osmose reversa, entretanto, aqueles com baixo peso molecular demandam técnicas adicionais, como a resina de troca iônica, eletrodeionização, carvão ativado ou oxidação por ultravioleta ou ozônio, para serem removidos. Os limites estabelecidos para os parâmetros dos contaminantes químicos orgânicos e inorgânicos destinam-se a proteger a saúde e evitar que compostos químicos críticos possam interferir na fase de pré-tratamento dos sistemas de água, considerando que, posteriormente, podem ser de difícil remoção.

Contaminantes microbiológicos

São representados principalmente por bactérias e apresentam um grande desafio à qualidade da água. São originários da própria microbiota da fonte de água e de alguns equipamentos de purificação. Podem surgir, também, devido a procedimentos de limpeza e sanitização inadequados, que possibilitam a formação de biofilmes e, por consequência, instalam um ciclo contínuo de crescimento a partir de compostos orgânicos que, em última análise, são os próprios nutrientes para os microorganismos.
As bactérias podem afetar a qualidade da água por desativar reagentes ou alterar substratos por ação enzimática, aumentar o conteúdo em COT, alterar a linha de base (ruído de fundo) em análises espectrais e produzir pirogênios, como as endotoxinas. A contagem de bactérias é reportada em unidades formadoras de colônias por mililitro (UFC/mL) e, em geral, aumenta com o tempo de estocagem da água. 
Os contaminantes mais frequentes são bastonetes Gram negativos, principalmente dos gêneros Alcaligenes, Pseudomonas, Escherichia, Flavobacterium, Klebsiella, Enterobacter, Aeromonas e Acinectobacter. O padrão microbiológico é especificado, em paralelo aos contaminantes químicos, e consiste na ausência de coliformes totais e termotolerantes (micro-organismos patogênicos de origem fecal), além de enterovírus, cistos e oocistos de protozoários, como Giardia sp e Cryptosporidium sp em amostra de 100 mL. Para atender a esses limites, as estações de tratamento utilizam processos de desinfecção com substâncias químicas contendo cloro ou outros oxidantes, empregadas há décadas, e consideradas relativamente seguras para os seres humanos. Entretanto, esses oxidantes podem reagir com o material orgânico de origem natural e gerar produtos secundários da desinfecção, como trihalometanos, cloraminas ou ainda deixar resíduos dos próprios desinfetantes. Esses produtos indesejáveis requerem atenção especial, por parte dos legisladores e usuários. As cloraminas, em particular, podem danificar irreversivelmente um equipamento de decloração integrante de um sistema de purificação, além de apresentarem risco de formação e liberação de amônia.
Além desses dois grupos fundamentais de contaminantes, existem os particulados, constituídos por sílica, resíduos da tubulação ou coloides e que, além de ser um risco à qualidade da água purificada, podem provocar entupimentos e prejudicar gravemente o processo de purificação, por reduzir seu desempenho, ou até mesmo causar danos irreversíveis aos equipamentos. Podem ser detectados por filtração combinada com gravimetria ou microscopia. Em geral não é necessário identificar o tipo de partícula, apenas removê-la. 

Tipos de água

Basicamente, há três tipos de água para uso farmacêutico: a água purificada; a água para injetáveis e a água ultrapurificada, que são especificadas em monografias Farmacopeicas. Compêndios oficiais internacionais especificam, além desses, outros tipos de água, como: acondicionadas em frascos, estéreis ou bacteriostáticas, para irrigação ou inalação. Porém, todas possuem características de pureza semelhante aos tipos fundamentais já mencionados.
Além destas, há a água potável, que é amplamente utilizada e tem aplicação direta em instalações farmacêuticas, principalmente em procedimentos gerais de limpeza. As monografias específicas, quando disponíveis, detalham os parâmetros de pureza estabelecidos para cada tipo, suas características principais e sugestões de aplicação.
Percebe-se, portanto, a importância da verificação da qualidade da água nos processos farmacêuticos como um todo!

Jaqueline Carneiro
Jaqueline Carneiro
PhD | Cientista

Farmacêutica, pesquisadora, professora, e co-fundadora do Rigor Científico, encontrou na ciência um lugar no qual aplicar a determinação aprendida com os esportes. A beleza e a complexidade da Química Medicinal a fizeram seguir por esse caminho, que a levou até laboratórios de pesquisa e outros lugares do mundo. Ser professora era visto como um efeito colateral, até pisar numa sala de aula. Naquele instante, mais madura pessoalmente e profissionalmente, percebeu possibilidades de impactar vidas diretamente. Hoje sonha alto e quer trazer mais pessoas para o seu mundo de ciência.

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