Eu professora
08 de abril de 2023

Venho de uma família de professores. Nasci e cresci no interior do Paraná, passando por diversas cidades devido ao trabalho do meu pai que, mesmo licenciado em matemática, seguiu outra profissão. Minha mãe como professora, meu irmão mais velho e eu, o acompanhávamos, mudando de cidade e, consequentemente, de escola aqui e ali. Meu porto seguro e referência de infância foi, então, a casa dos meus avós que, como professores aposentados, abriam a casa e o coração para nós em períodos de férias. Meus avós construíram uma boa vida e uma família sólida nos fundamentos cristãos, tendo como base a docência. Meu avô sempre nos conta as estórias da época de sala de aula e, vez ou outra, no alto de seus 87 anos, alguém o cumprimenta nas ruas de nossa cidade: “Boa tarde professor!”. Já para minha mãe, a docência era uma das únicas opções ‘permitidas’, na época, para jovens mulheres em uma sociedade tradicional do interior. Por muito tempo foi o foco de seu estudo e dedicação. Eu a via preparar fichas de aulas no início de todos os semestres (mesmo que fossem das mesmas aulas já dadas) e a ajudava a somar notas de provas dos seus alunos. Mas para a sua geração os desafios eram crescentes e a valorização profissional ia em sentido oposto. Minha mãe mudou de carreira e se aposentou satisfeita como bancária, assim como meu pai.

A educação sempre foi prioridade em casa. Notas baixas, o que raramente acontecia, eram vistas com estranheza. Minha mãe fazia provas (mais difíceis que as da escola!) para garantir que estávamos preparados para seguir adiante. O objetivo dos meus pais, mesmo sem ser dito, sempre foi muito claro: nos proporcionar todas as condições favoráveis para termos uma boa educação. Nossa única obrigação era estudar. Tanto que, próximo ao período de vestibular, nunca passou pela minha cabeça não o fazer. A dúvida era qual fazer.

Minha adolescência imersa em estudos e esportes me levou a cogitar cursar Educação Física. Porém, por tantas vezes ouvi “Escolha qualquer profissão menos ser professor”, justificado pelas más experiências, perspectivas e desvalorização profissional, que nem ao menos me lembro a razão pela qual escolhi o curso de Farmácia. Ao longo do curso me via ainda perdida em meio a tantas possibilidades, flutuando de área em área em busca de algo que me despertasse interesse. No último semestre letivo, ainda sem rumo, um querido professor, que hoje considero um mentor, me perguntou “Por que você não faz o mestrado?”. Por quais razões decidi fazer? Também não saberia explicar, mas o fiz. E ali encontrei algo que me despertava interesse, curiosidade, que me fazia querer explorar e compreender cada vez mais esse universo da ciência, novo para mim. Ok, estava decidido. Iria seguir com a minha formação acadêmica, um dia passaria num concurso e trabalharia com pesquisa científica. Se dar aulas, ser professora, estivesse atrelado a isso, tudo bem. Um efeito colateral administrável.

Em 2018 tive minha primeira oportunidade de ministrar aulas em uma universidade particular. Minha turma, meus alunos. O que me levou a aceitar foi puramente a necessidade de incluir essa experiência em meu currículo, afinal de contas, era um efeito colateral, o plano seguia. O plano mudou. Os olhares desatentos ou confusos, que eu não esperava me importar, me desafiavam a estudar formas de ajudá-los, de fazer melhor. Me levaram a buscar uma especialização na área de educação, porque os modelos tradicionais, que até então eu nunca tinha visto problemas (afinal de contas, funcionou, e muito bem, comigo!) não me pareciam mais funcionar.

Não estou querendo romantizar a profissão. Os desafios apontados e preocupações dos meus pais ainda são válidos. Os olhares confusos, e até mesmo de desdém, ainda existem. O modelo tradicional de ensino apresenta suas falhas. Mas hoje sou tanto professora quanto pesquisadora. Muitos me disseram “Isso é coisa de professor novo. Não vale a pena. Daqui a pouco você já para de ‘inventar moda’ como acontece com todo mundo”. Ainda não parei. E não pretendo parar.
 

Jaqueline Carneiro
Jaqueline Carneiro
PhD | Cientista

Farmacêutica, pesquisadora, professora, e co-fundadora do Rigor Científico, encontrou na ciência um lugar no qual aplicar a determinação aprendida com os esportes. A beleza e a complexidade da Química Medicinal a fizeram seguir por esse caminho, que a levou até laboratórios de pesquisa e outros lugares do mundo. Ser professora era visto como um efeito colateral, até pisar numa sala de aula. Naquele instante, mais madura pessoalmente e profissionalmente, percebeu possibilidades de impactar vidas diretamente. Hoje sonha alto e quer trazer mais pessoas para o seu mundo de ciência.

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